Thursday, September 13, 2012

Mostar - Мостар


Mostar e a sua velha ponte Otomana do século XVI, a Stari Most


A travessia do rio Neretva que divide a cidade de Mostar, que significa guardas da ponte, é a principal razão sua existência. Em meados do século XVI a cidade prosperou como uma das principais portas para o transporte para o interior do poderoso e vasto Império Otomano. Em 1557, Suleiman "o Magnífico" ordenou a construção de uma grande e esplendorosa ponte de pedra em arco para substituir a anterior ponte suspensa que há muito vinha a aterrorizar os comerciantes e população que por ali passavam. A Stari Most resistiu à ocupação Italiana da II Guerra Mundial, mas seria seria destruída em 1993, passados 427 anos da sua construção, na sequência dos bombardeamentos de que a cidade foi vitima durante a Guerra Civil Jugoslava.

História

A entrada da cidade nas rotas comerciais entre o Mar Adriático e as regiões ricas em água mineral do centro da Bósnia, fez com que a cidade tivesse crescido passando também a ocupar a margem direita do rio. Antes de 1474 existiam nomes de duas cidades nos registos históricos medievais Nebojša e Cimski grad mas no principio do século XV o condado medieval de Večenike ocupava a área da cidade de Mostar de hoje incluindo a margem direita do rio.

Altas montanhas próximas da cidade de Mostar
As áreas próximas do rio Neretva e das montanhas Velez são habitadas desde a pré-história como atestam as descobertas de cemitérios desta época, mas na cidade de Mostar os vestigios mais antigos encontrados remontam à ocupação romana. Não chegaram até hoje vestígios do período da Idade Média daí não se haver muito conhecimento sobre a cidade neste período
 Mostar surge indirectamente referida numa carta, redigida pelo Rei Afonso V de Aragão que data de 1454, como Pons que significa ponte, em alusão a uma ponte já ali construída. Antes de 1444 o forte de Nebojša foi construido na margem esquerda do rio Neretva, que pertencia ao condado medieval ainda conhecido como Večerić. A mais antiga referencia a Mostar como cidade data do dia 3 de Abril de 1452 quando pessoas oriundas de Dubrovnik escreveram aos seus compatriotas ao serviço de Đorđe Branković alertando-os para o facto do seu filho Vladislav Hercegović se ter revoltado contra o seu pai tendo ocupado uma cidade chamada Blagaj, bem como dois castelos próximos da ponte sobre o rio Neretva.

Ruas um pouco afastadas do centro histórico de Mostar, com alguns sinais da guerra ainda bem evidentes (ambas as fotos)
 
A cidade foi anexada pelo Império Otomano em 1468 e foi só a partir deste período que Mostar passaria a ser uma cidade embora fosse conhecida pelo seu nome otomano Köprühisar que significa fortaleza na ponte. De acordo com o sistema urbano das cidades Otomanas, a cidade passou a partir deste período a estar dividida em duas partes, a čaršija, a área comercial do bazaar e principal centro do aglomerado, e a mahala, a área residencial.

Margem este do rio Neretva (esq) Uma das vibrantes ruas de Kujundziluk (dta)

Durante o período do governador otomano Suleiman a cidade foi fortificada vindo as suas defesas reforçadas, sendo a ponte de madeira substituída por uma ponte de pedra, a Stari Most, em 1566, que posteriormente se tornou no seu maior símbolo. Esta obra arquitectada por um estudante de um dos mais importantes arquitectos otomanos, Mimar Sinan, é uma das mais importantes obras otomanas na Europa.
Stari Most fotografada da margem leste
A cidade de Mostar foi conquistada pelo Império Austro-húngaro em 1878 que ali permaneceu até quase ao final da I Guerra Mundial, em 1918. A primeira igreja construída em Mostar, uma Igreja Ortodoxa Sérvia, foi construida em 1834, durante pleno período de domínio Otomano. Tendo-se a cidade tornada na sede do bispado de Mostar-Duvno.
Durante a II Guerra Mundial a cidade tornou-se numa importante cidade integrada na recém independente Croácia Fascista, mas com o culminar da guerra passou a integrar a Jugoslávia que a dinamizou como um importante centro turístico.
Entre 1992 e 1993, na sequência da secessão da Bósnia face à Jugoslávia a cidade foi atacada e cercada pelas tropas Jugoslavas durante 18 meses. 
Cemitério Muçulmano no centro da cidade 
O primeiro bombardeamento de que a cidade foi alvo, foi no dia 3 de Abril de 1992 e até ao final dessa semana o Exército Jugoslavo passou a controlar uma grande área da cidade. 
As tropas jugoslavas foram no entanto forçadas a abandonar a cidade após uma acção das forças croatas e bósnias, no dia 12 de Junho. 
Durante o combate travado entre as forças de croatas e bósnias e o Exército Nacional da Jugoslávia foi destruído grande parte do património da cidade algum do qual se perdeu para sempre. As tropas jugoslavas destruíram um mosteiro franciscano, uma catedral Católica, e um palácio bispal com a respectiva biblioteca com cerca de 50 mil livros, 13 mesquitas, e as tropas croatas e bósnias destruíram numa acção de retaliação o Mosteiro Ortodoxo Sérvio de Zitomislic, a Catedral Ortodoxa Sérvia de Saborna Crkva, entre outros monumentos.

Fotografia dos bombardeamentos de que foi alvo a Stari Most
A cidade de Mostar viveu de perto todas as incidências da guerra em território Bósnio. A cidade viu a sua histórica ponte destruída ficando por isso dividida em Novembro de 1991 entre as forças da União Democrata Croata instaladas na parte ocidental, onde declararam a Republica Croata da Herzegovina,  e as forças bósnias instaladas na parte leste da cidade onde se encontrava a maioria da população bósnia muçulmana expulsa pelos croatas que no final da guerra foram acusados de crime contra a humanidade e crimes de guerra pelo Tribunal Penal Internacional.

Cemitério no centro de Mostar
Ironicamente, os cidadãos Muçulmanos e Croatas lutaram inicialmente juntos contra as forças Sérvias e Montenegrinas, que começaram a bombardear a cidade em 1992. No entanto no dia 9 de Maio de 1993 houve uma grande cisão entre os antigos aliados que fez com que as duas facções começassem uma guerra na cidade que durante dois anos esteve em permanente caos e conflito. No seguimento desta situação os Bósnios croatas começaram a expulsar os Bósnios muçulmanos das suas casas, sendo alguns destes levados para campos de detenção, ao mesmo tempo que outros procuram refúgio na margem leste do rio Neretva, de maioria muçulmana.

Uma das pontes secundárias sobre o Neretva (esq) Margem este do rio onde no verao se faz praia (dta)

Após o final do período de Guerra, em 1995, a cidade de Mostar podia ser comparada à cidade alemã de Dresden aquando do final da II Guerra Mundial, com todas as suas pontes destruída bem como todas as suas 27 mesquitas da era Otomana.

Ruas restauradas após o final da guerra onde ainda permanecem traços da guerra (esq) Rua principal do Kujundziluk (dta)


No final da guerra a cidade passou a estar sob administração europeia, que deu inicio a obras de reconstrução que viriam a custar mais de 15 milhões de euros à União Europeia e aos Estados Unidos. Todavia a reconstrução da Stari Most não se revelou uma tarefa nada fácil, sendo que as obras do mega-projecto que pretendia reconstruir a ponte de acordo com o seu design original bem como a restauração de toda a zona histórica próxima da ponte devastada pela guerra, foi iniciado em 1999 e as obras apenas concluídas em 2004. Um ano depois, a ponte bem como a zona histórica envolvente foram incluídas na lista do Património Mundial da UNESCO.


Diário de Viagem

A minha viagem a Mostar foi em Agosto de 2010, proveniente da cidade croata de Ploče. A travessia de comboio foi feita num pequeno e velho comboio de apenas três carruagens que tinham sido doadas pela companhia férrea nacional sueca à mesma entidade da Bósnia-Herzegovina, no âmbito da política de cooperação dos países da União Europeia com vista ao desenvolvimento deste país.


O pequeno comboio que me transportou até à fronteira da Bósnia (esq) O comboio foi doado pela Suécia à Bósnia(dta)

A viagem de comboio supostamente até à cidade de Mostar foi interrompida na fronteira da Croácia com a Bósnia-Herzegovina onde tive de me identificar apesar de não ser necessário visto devido a um acordo que este Estado assinou recentemente com a União Europeia. Fui posteriormente informado que devido a obras de reabilitação da linha férrea o percurso desde a fronteira até à cidade de Mostar seria feito de autocarro que substituiria assim o comboio sem quaisquer custos adicionais.


Comboio parado na fronteira da Bósnia com a Croácia (esq) Instalado no comboio (dta)

Cheguei à estação ferroviária de Mostar ao fim da tarde, onde tinha à minha espera a mulher do dono da guesthouse onde tinha feito uma reserva de duas noites através da Internet. Quando cheguei à estação foi estranho ver tantas crianças de etnia cigana totalmente despidas a pedir dinheiro ás muito poucas pessoas que saiam dos autocarros.
Uma das mesquitas de Mostar à luz da noite
Depois de me instalar e de dormir cerca de uma hora decidi deslocar-me ao centro histórico da cidade com o propósito de jantar com um grupo de turistas australianos que também se encontravam instalados na mesma guesthouse
O primeiro contacto com a zona histórica foi muito positivo. Existiam muitos e bonitos restaurantes e finalmente vi a tão famosa ponte Stari Most, e achei-a realmente lindíssima e enorme conforme os anteriores relatos que tinha ouvido, e as informações a que tinha tido acesso. Também gostei muito da comida bósnia, muito à base de carne de vaca e borrego grelhada a acompanhar com arroz, e com excelente vinho da região, cuja qualidade muito me surpreendeu.
No meu segundo dia na cidade optei por levantar-me cedo de forma a poder conhecer a vida quotidiana desde o período matinal até ao nocturno. A guesthouse onde fiquei alojado encontrava-se num bairro residencial a cerca de 15 minutos a pé em direcção à zona histórica onde se encontra a Stari Most.  Durante o caminho até a zona histórica deparei-me pela primeira vez com marcas da guerra na cidade, desde buracos de balas em edifícios, sinalizações de estrada e até painéis publicitários, até buracos em edifícios certamente originados por armas de grande dimensão.

 
Edifício atingido pela artilharia Jugoslava durante a guerra (esq) Painel publicitário furado pelas balas (dta)

Claustro de uma mesquita
Esta área da cidade próxima do centro histórico, apesar de ainda estar algo danificada pela guerra, é uma área bastante organizada e acolhedora, com bastantes cafés, restaurantes e esplanadas.  Existem várias mesquitas espalhadas pela cidade, e em todas elas, embora restauradas, são ainda visíveis os sinais da guerra. À entrada de muitas das mesquitas existem tendas de artesanato local a preços muitos convidativos dada a originalidade dos produtos, muito ao estilo Otomano.
cemitério de uma mesquita em Mostar (esq) Uma das muitas tendas de artesanato à entrada das mesquitas (dta)

A mesquita de Karadjoz-bey, construída pelo arquitecto turco Kodza Mimar Sinan em 1557, é a maior mesquita de Mostar e é considerada por muitos a mais bonita mesquita de toda a região da Herzegovina. Este foi um monumento várias vezes severamente afectado pela guerra, tendo ficado muito danificado na II Guerra Mundial, e parcialmente destruído na Guerra da Jugoslávia, no entanto agora encontra-se restaurado e reabilitado para receber turistas e fieis.
 
Mesquita de Karadjoz-bey  (esq)Mesquita de Koski Mehmed Pasha (dta)

Eu com a Stari Most ao fundo
Seguidamente visitei a segunda maior mesquita da cidade de Mostar, que foi a que mais apreciei visto a encontrar-se muito próximo do rio e apenas 150 metros da ponte antiga proporcionando por isso uma fantástica vista sobre a parte histórica da cidade. A mesquita de Koski Mehmed Pasha, construída em 1618, é ligeiramente mais pequena do que a mesquita de Karadjoz-bey embora a sua arquitectura seja algo diferente. Esta mesquita foi quase completamente destruída durante a guerra tendo sido reconstruída no âmbito da politica de reconstrução e reabilitação da cidade. Após visitar a mesquita de Koski Mehmed Pasha, dirigi-me à zona de Kujundziluk, o chamado caminho do outro devido a na época Otomana ali existirem imensos comerciantes que se dedicavam à venda de outro bem como a artesãos que o trabalhavam. Hoje é uma zona com enorme potencial turístico, com imensas lojas de artesanato e todo o tipo de souvenires.

 A rua principal da zona comercial do Kujundziluk  (ambas as fotos)

A zona do Kujundziluk termina na ponte velha que finalmente atravessei. Do outro lado da margem existe uma zona comercial com um estilo parecido mas onde predominam mais os restaurantes em vez das lojas de artesanato. Aqui uma vasta hipótese de escolha entre vários restaurantes de gastronomia típica da Bósnia a preços bastante em conta.


Como Chegar
Velhas peças de artilharia Jugoslava que o proprietário
 da guesthouse onde fiquei continua a preservar de
forma a "não esquecer" a guerra que destruiu a cidade

Apesar de segundo o meu ponto de vista, visitar a cidade de Mostar dever ser encarado como de carácter obrigatório para qualquer pessoa que decida visitar os Balcãs, chegar à cidade de Mostar nao é totalmente fácil. 
A melhor forma de visitar a cidade será certamente a partir de Sarajevo, mas pode revelar-se uma tarefa difícil a partir de qualquer outro ponto dos Balcãs. A partir de Sarajevo existem autocarros bem como comboios, cuja linha férrea estava a ser reparada quando visitei a cidade em 2010. 
Na cidade vêem-se vários grupos de excursões organizadas por isso creio que existam viajas organizadas para esta cidade pelo menos a partir de Sarajevo, ou da vizinha cidade croata de Dubrovnik. No entanto, a partir de Dubrovnik não existem ligações para Mostar, sendo necessário ir até à cidade de Ploce onde existe uma velha linha férrea da era Jugoslava que faz o trajecto até à cidade de Mostar.

1 comment:

  1. Belíssimas fotos. O cenário desse rio de águas verdes sob a ponte medieval é maravilho, digno de um belo cartão postal. Muito interessante também as fotos mostrando as casas/construções com marcas de balas. Não imaginava que uma cidade relativamente pequena como Mostar tivesse sido tão afetada pela guerra dos anos 90. Bacana também saber que a União Européia investiu bastante dinheiro na reconstrução dos monumentos destruídos.

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