Friday, June 29, 2012

Butrint

Grande Teatro Romano de Butrint 


As primeiras escavações arqueológicas em Butrint tiveram início em 1929 num período em que a Itália, governada por Mussolini, enviou uma expedição ao local liderada pelo arqueólogo Luigi Maria Ugolini. Esta expedição tinha um objectivo mais geopolítico, de estender a área hegemónica italiana, do que propriamente arqueológico ou científico, no entanto as escavações acabariam por continuar até 1943 mesmo apesar da morte de Ugolini (1936) e do início da II Guerra Mundial. Foram interrompidas apenas após o final da II Guerra Mundial, numa altura em que o governo comunista de Enver Hoxha baniu do território albanês as missões arqueológicas estrangeiras, ficando a continuação das escavações entregue ao arqueólogo albanês Hasan Çeka. 

 
Visita de Nikita Khrushev a Butrint em 1959, acompanhado pelo líder comunista albanês Enver Hohxa
 Fonte: HODGES, Richard, Nikita Khrushev's Visit to Butrint, Maio 1959, Volume 51, nº3 Expedition, National Galery Tirana, Albania


Após a dissolução do regime comunista albanês, o novo governo deu um novo ímpeto ao desenvolvimento de Butrint no plano turístico, o que para isso também contribuiu a inclusão desta cidade arqueológica na lista do Património Mundial da UNESCO, que por exemplo conseguiu impedir a construção de um aeroporto planeada naquele local. No ano 2000 foi criado o Parque Natural de Butrint que foi também incluído na mesma lista de Património Mundial da UNESCO


 História

A cidade na península de Butrint terá sido fundada por Heleno, filho do Rei Príamo e da Rainha Hécuba, de Tróia, tese que no entanto pode ser contraposta pelo facto dos mais antigos achados arqueológicos em Butrint datarem dos séculos X e VIII a.c. No entanto, a sua consagração como cidade ocorreria no século IV a.c. com a. construção de um Teatro e de uma Ágora, bem como um Santuário dedicado a Esculápio, o Deus da Medicina. Por volta de 380 a.c. a cidade foi fortificada através da construção de uma muralha com cerca de 870 metros de comprimento, que compreendia quatro entradas ao longo de cerca de quatro hectares.


        Várias perspectivas das muralhas limítrofes da cidade de Butrint com a lagoa com o mesmo nome como pano de fundo
A antiga cidade Buthrotum estava inserida na região de Epiru, uma das mais influentes regiões dominadas pelos gregos Caónios, mas a sua posição geográfica, muito próxima do estreito de Corfu, tornava-a inevitavelmente dependente de trocas comerciais com a ilha de Corfu cujo domínio pertencia aos gregos do Corínto. Daí, no ano de 228 a.c. Buthrotum e também Corfu terem simultaneamente passado a ser protectorados do Império Romano que mais tarde, no ano 167 a.c. colonizaria também os dois territórios integrando-os na província imperial da Macedónia

Panorama da península de Butrint ao lado de um achado arqueológico Romano
A beleza e tranquilidade da cidade, fez com que no ano de 44 a.c. Júlio César concedesse a colónia de  Buthrotum como recompensa para os soldados que mais se tinham destingido na luta deste contra Pompeu, e o mesmo faria o Imperador César Augusto, no ano 31 a.c., após a sua grande vitória sobre Marco António na batalha de Áccio. E como consequência da chegada de novos residentes, a cidade cresceria para o dobro através da construção de mais casas, e também de uma série de outras infraestruturas como um Aqueduto, Termas, Fórum e um Nymphaeum (monumento considerado às ninfas, normalmente fontes).

 
   Na fotografia da esquerda o Fórum e na fotografia da direita as termas Romanas de Butrint

  Na fotografia da esquerda o Nymphaeum e na fotografia da direita outra perspectiva do Fórum

Sob domínio Bizantino, no inicio do século VI, Butrint passou a albergar um bispo, sendo para esse efeito construído um grande Baptistério, uma das maiores construções deste tipo durante a era do Cristianismo Primitivo, e uma Basílica.


 
                         
                    Em cima fotografias da nave da basílica (esq) e de uma das suas portas (dta), e em baixo três ângulos do baptistério

De acordo com alguns artefactos arqueológicos, como recipientes destinados a armazenamento de azeite e vinho, encontrados em Butrint, é possível afirmar que o nível de vida era alto na cidade durante o império romano, pelo menos até ao principio do Século VII, altura em que o Império Bizantino perderia as suas províncias.
A partir desta altura a história de Butrint passa a assemelhar-se bastante com a de várias outras cidades dos Balcãs, em que o período entre os Séculos VI e VII não passaria de um período de decadência que culminaria apenas com o fim do Império Romano e o início da Idade Média, período em que como em outras cidades mediterrânicas, a influência de Butrint como cidade diminuiria muito, passando esta a cingir-se a uma pequena cidade fortificada

         Vários tipos de muralhas próximas da margem da lagoa de Butrint que exemplificam os diversos povos que habitaram a cidade

  Ruínas de um antigo mosaico religioso Bizantino
A cidade conseguiu resistir a invasões de vários povos continuando como parte do Império Bizantino até 1204, altura em que este se dividiria, passando Butrint a constituir um palco de conflito entre Bizantinos, Venezianos e Angevinos que lutavam pelo controlo da cidade que nesta altura passaria várias vezes pelas mãos de ambos, até que em 1267 Carlos de Anjou assumiria o domínio de Butrint e também de Corfu.
Durante o período sob domínio dos Angevinos foram mais uma vez restauradas as muralhas da cidade, bem como a Grande Basílica. 

  Torre Veneziana à entrada da cidade arqueológica
Não muito tempo depois, em 1386, a República de Veneza, adquiriria Corfu aos Angevinos através de uma compensação em dinheiro, não revelando interesse os comerciantes venezianos em incluir Butrint neste negócio. Até porque a pesca operada na lagoa de Butrint bem como o seu grande Olival, que constituiam as maiores fontes económicas da cidade, eram também fontes de abastecimento vitais para Corfu.

A guerra entre Veneza e o Império Otomano no ano de 1572 arrasaria a cidade de Butrint sendo a sua administração transferida, por ordem de Domenico Foscarini, comandante Veneziano de Corfu, para uma pequena fortaleza existente na lagoa adjacente à cidade. 
A partir desta altura a cidade apenas seria ligeiramente populada após ser anexada pelo Império Otomano, no ano de1655, e no ano de 1718, após ser reconquistada pelos Venezianos que ali permaneceram até a anexação da Albânia pelos turcos Otomanos. 

  Castelo de Ali Pasha, Governador Otomano da Albânia, mesmo em frente à cidade arqueológica, do outro lado da lagoa
 Diário de Viagem


   Estrada de acesso à cidade arqueológica
A minha viagem a Butrint foi em Junho de 2011. Quando visitei a cidade arqueológica, desloquei-me ali a partir de Saranda, cidade que também visitei antes de partir para Butrint.
A visita a este sitio arqueológico Património Mundial da UNESCO inclui a visita ao parque natural visto que as ruínas estão dispersas ao longo do mesmo. As quase 3 horas de visitas acabam por passar rápido visto que a paisagem é fascinante, em que o verde da farta vegetação contrasta com o azul esverdeado da água da lagoa em que se insere a península de Butrint.

Como Chegar

Quando visitei Butrint, desloquei ali a partir de Saranda, uma cidade à qual se pode chegar a partir de qualquer ponto da Albânia. Também é possível chegar à cidade arqueológica de Butrint desde de Corfu na Grécia através de um ferry. Desde Tirana ou de outras partes da Albânia, existem vários autocarros e furgões rumo a Saranda.
De Saranda existe um autocarro que faz o percurso entre esta cidade e Butrint, durante cerca de 40 minutos, passando primeiro por Ksamil.

Sunday, June 24, 2012

Berat


Berat - A Cidade das Mil Janelas - Bairro de Mangalem

Apesar de ter sido adicionada à lista das cidades Património Mundial pela UNESCO em 2008, a cidade de Berat era já considerada pelo regime comunista uma Cidade-Museu, facto que em muito contribuiu para que a sua traça muito característica e única na Europa, tivesse conseguido chegar desde o período Otomano até aos dias de hoje quase sem alterações. Isto porque a construção de novos edifícios nas zonas históricas da cidade foi quase inexistente à excepção de infraestruturas consideradas de carácter essencial para a população ali residente.

História

Rua de Gorica à Noite
Esta cidade, conhecida como a cidade das mil janelas é um dos maiores pontos turísticos da Albânia e está por isso incluída obrigatoriamente no roteiro de viagem de qualquer pessoa que decida visitar o país. Não sendo por isso de estranhar que Berat tenha sido a cidade que visitei por mais vezes durante a minha permanência de nove meses na Albânia. Ao ser o mais conhecido ponto turístico do país, era-me sempre "exigido" ali voltar sempre que recebia visitas. Todavia, quando cheguei à Albânia, pouco mais conhecia de Berat além do facto de esta ser uma das duas cidades albanesas que constam da lista das cidades Património Mundial da UNESCO. Sabia também através de amigos que já tinham visitado a cidade, que a cidade das mil janelas, tem a sua parte histórica dividida em três partes, Kala (castelo), Mangalem (bairro islâmico) e Gorika (bairro cristão), estando estes últimos separados por um rio.
Não sabia, contudo, que esta hoje muito normal e pacata cidade albanesa de 45 mil pessoas, foi no passado um importante ponto passagem de vários povos, sendo que os Ilírios, foram os primeiros que ali se fixaram, no século III ac., construindo para isso uma estratégica fortaleza - Antipatrea.   

Mesquita Vermelha - Séc XV
   Cisterna Otomana - Ruínas
Os Bizantinos também passaram por Berat, durante os séculos V e VI, tendo, durante esse período, reconstruído e modernizado fortificações já existentes no local. Quatrocentos anos mais tarde foram os Búlgaros quem se fixou na cidadela de Berat, até 1345, ano em que os Sérvios conquistaram e ocuparam a cidade, a que deram o nome de Beligrad - Cidade Branca.
Pouco mais de cem anos depois, em 1450, seriam os Turcos Otomanos a conquistar a cidadela, onde permaneceriam durante vários séculos. 



Igreja Bizantina da Santa Trindade - Séc XIII
A cidadela de Berat, hoje existente, data do século XIV, trata-se de um bairro no interior do castelo - Kala - que na antiguidade, e ao contrário de hoje, se tratava de um bairro cristão. No entanto das vinte igrejas existentes no passado, apenas doze ainda existem actualmente, mas não é uma tarefa fácil conseguir visitá-las visto que cada uma delas pertence a uma família, o que faz com que seja necessário encontrar o proprietário de cada uma das igrejas e pedir-lhe o favor de nos conceder a respectiva chave. A igreja mais importante do Kala é a igreja da Dormição de Santa Maria, onde se realiza apenas uma missa por ano devido a ali estar instalado um museu de arte sacra - Museu Onufri

Bairro Kala, no interior do castelo de Berat (esq) Subida até à cidadela com o "guia" (dta)

Numa das minhas visitas a Berat consegui através de uma pequena gratificação, que um dos moradores - o bairro Kala trata-se de um bairro inserido na zona histórica de Berat, que tem por isso os seus moradores e a sua própria vida quotidiana, como atestam os carros estacionados e roupa estendida -  me mostrasse toda a cidadela, embora não me tenha aberto nenhuma das igrejas.


Diário de Viagem

Bairro de Mangalem visto desde Gorica, à noite
Quando visitei Berat pela primeira vez, no mês de Dezembro de 2011, vi uma cidade Otomana, em que as casas, brancas com enormes janelas, se debruçavam nas paredes de duas montanhas separadas pelo rio Osumi. Era um frio e molhado dia inverno, e apesar de ter chegado à cidade já ao entardecer e sem muitas expectativas quanto ao resto do dia, deparei-me com um fantástico cenário. Era o fim de um dia sem muito sol em que uma ligeira, embora muito baixa neblina, não conseguia esconder totalmente o topo dos altos minaretes das várias mesquitas da cidade. E a tudo isto há ainda a juntar o contraste com os cumes nevados das montanhas adjacentes: espectacular!

O despertar albanês - Começar o dia com um copo de raki, aguardente albanesa.
 
Começava a anoitecer mas ainda não tínhamos um sitio para dormir, por isso decidimos entrar no mercearia e ali perguntar se haveria por acaso alguém que nos alugasse um quarto por uma noite.
Foi-nos prontamente dito que sim e após cinco minutos de espera chegou uma senhora de idade com uma grande chave de ferro na mão que nos pediu que a seguissemos. Ficámos assim alojados numa velha casa de uma típica família rural albanesa, tão típica que até tivemos direito ao pequeno almoço albanês, que começa com um raki (aguardente) em jejum, que segundo os locais se trata de um elixir tradicional para uma vida longa e saudável.
Passeio pelas ruas do Bairro Mangalem
Acesso ao castelo pela rua Mangalem
Depois de nos despedirmos e deixarmos a casa, subimos as inclinadas ruas do bairro de Mangalem até chegarmos ao castelo, onde passamos umas duas horas. Ao descer as mesmas ruas, decidimos visitar o Museu Etnográfico.
Este museu localiza-se dentro de uma típica casa Otomana do século XVIII decorada com todos os artefactos ligados ao modo de vida dos habitantes de Berat durante esse época.                  
Casa Museu Etnográfico
 Foi interessante observar áreas como um salão de chá numa enorme varanda, e uma sala de fumo Otomana, vedada na época ás mulheres, cuja presença se cingia a uma pequena sala contígua a esta, onde existiam pequenas janelas que permitiam, contudo, às mulheres observar o que se passava na sala de fumo - era a partir destas janelas que a maior parte das mulheres de Berat tinham o primeiro contacto visual com o seu futuro marido.
A entrada no museu custa cerca de um euro e a visita dura cerca de meia hora. São ainda disponibilizados folhetos informativos em várias línguas sobre as diversas divisões da casa.
Após a visita ao museu Etnográfico descemos pelas ruas do bairro Mangalem, até à Xhamia e Mbretit, ou Mesquita do Sultão, que datando do séc XVI, consiste, por isso, numa das mais antigas de toda a Albânia.   

O exterior da mesquita do Sultão (esq) Interior da mesquita do Sultão (dta) 

Posto destinado à oração das mulheres (esq) Posto destinado ao Imã (centro) Minbar de onde o Imã ora a Khutba (dta) 

Vista da Mesquita desde sua a área superior

Nas traseiras da mesquita situa-se o Helveti teqe, um local de culto dos islâmicos Helviti, que tal como os Bektashi, muito populares no país, são também uma ordem / ceita, ou irmandade existente no seio do culto islâmico. Para aceder a este local deverá ser requisitada sem quais custos a chave do mesmo, o que consegui após perguntar a várias pessoas acerca do paradeiro do proprietário da chave. Uma vez no interior do Helveti teque há a destacar a beleza dos seus tectos trabalhados em madeira além dos túmulos dos fundadores desta ordem.

A beleza dos tectos trabalhados em madeira no interior do Helveti Teque (ambas as fotos) 

Apesar da endémica falta de informação turística, além da Mesquita do Sultão, existem na área do bairro Islâmico de Mangalem, pelo menos mais duas monumentais mesquitas, às quais não consegui aceder por estarem fechadas. A maior é a Xhamia e Plumbit (Séc XVI) - Grande Mesquita, mas a mais bonita é a Xhamia e Beqarevet (Séc XIX), que se situa um pouco mais abaixo junto ao rio, e que apesar dos seus lindos frescos nas paredes exteriores, acaba por passar despercebida mesmo existindo uma loja de souvenires no seu interior. 
Azeite, Manteiga e vários tipos de Queijo
Comércio de Galinhas em plena rua
Queijos de Cabra e Ovelha
Antes de passar a ponte sobre o rio Osumi, para visitar o bairro cristão - Gorica -, fizemos uma breve passagem pelo mercado da cidade que se situa logo à saída da Mesquita que visitámos. Eram 11 da manhã e como tal o mercado já não estava muito cheio, embora existissem ainda muitos produtos alimentares à venda no interior do mercado, bem como todo o tipo de animais vivos no exterior das suas precárias instalações. Após sair do mercado dirigi-me finalmente ao bairro de Gorica, onde se localizam a maior parte das igrejas da cidade. A mais importante é o Mosteiro de Santo Espiridião, que não consegui visitar devido a ser domingo e estar encerrado.


Em baixo: Interior de uma igreja Ortodoxa no bairro de Gorica (esq) O monte Tomorri visto desde Berat (dta) 

Igreja Ortodoxa em Gorica
Algumas das igrejas de Gorica viram os seus frescos ficarem perdidos durante o comunismo, altura em que estes foram cobertos por tinta branca ou cal. No entanto estão em curso, apesar de muito atrasados, trabalhos de restauração nestas igrejas. O bairro de Gorica é muito mais pequeno que o bairro de Mangalem, mas para quem gosta de fotografia, este é o ponto da cidade que oferece a melhor vista. Para mim, melhor até que a vista do castelo, porque daqui é possível ver-se todas as casas do bairro de Mangalem que se debruçam na montanha em direcção ao rio.
A cidade de Berat revela-se assim, sem dúvida, um destino a não perder caso tenham a oportunidade de visitar a Albânia.




Como Chegar


Bairro de Gorica visto desde Mangalem
Das três vezes que visitei Berat, cheguei à cidade de três formas distintas. Nas duas primeiras visitas, parti ambas as vezes de Tirana, utilizando contudo diferentes meios de transporte. Na primeira vez utilizei um autocarro, e da segunda vez o trajecto foi feito numa Minivan (carrinhas geralmente velhíssimas, às quais os albaneses chamam furgões, em cujo número de passageiros é quase ilimitado. Esta é a forma mais rápida e mais comum de transporte na Albânia, não sendo contudo a mais barata, que é o comboio, cujas condições são decrépitas, além de não chegar a muitos pontos do país, por exemplo a Berat. Da última vez que visitei Berat, foi num carro alugado e o percurso foi feito através Gjirokaster via Tepelene. Todavia sendo que percurso dura cerca de 6 horas apesar da distância ser apenas de 120 quilómetros, caso se pretenda viajar só por um dia a Berat, é aconselhável partir desde Tirana que também está sensivelmente à mesma distância, mas cujo tempo de viagem é metade.